Relações Sociais

Atualizado em 21 de novembro de 2023 por Caroline Speridião

Links

Relações sociais são um aspecto central da existência online. Nos anos 1990, o teórico Michael Hauben cunha o termo netizen para definir os cidadãos que ocupam e constroem o ciberespaço. Em um texto de 1993, posteriormente lançado no livro Netizen (1997), Hauben proclama:

“Bem-vindo ao século XXI. Você é um netizen (um Cidadão da Net), e você existe como um cidadão do mundo graças à conectividade global possibilitada pela Net. Você considera todos como seus compatriotas. Você vive fisicamente em um país, mas está em contato com grande parte do mundo através da rede global de computadores. Virtualmente você mora do lado de todos os outros internautas no mundo. A separação geográfica foi substituída pela coexistência no espaço virtual.”

De acordo com Hauben, netizens são pessoas, geralmente amigáveis e prestativas, que participam ativamente da construção e melhoria da web. Em sua obra há uma esperança na Net, uma fé de que a conectividade virtual traria transformações positivas para a sociedade. Enquanto isso pode ser visto como ingênuo sob lentes atuais, a internet dos anos 1990 trazia indícios de seu potencial transformador positivo, como o espírito colaborativo e o debate civil de opiniões:

“A Net permite o encontro de mentes para formar e desenvolver ideias. Ela tira os processos de pensamento das pessoas do isolamento, colocando-as em aberto. Todo usuário da Net tem o papel de ser especial e útil. O fato de que todo o usuário tem suas opiniões e interesses acrescenta ao corpo de conhecimento especializado na Net. Cada Netizen, então, torna-se um recurso especial e valioso para a Net. Cada usuário contribui para todo o valor intelectual, social e as possibilidades da Net.”

Surfando na web através de links

O espírito coletivo e conectivo da Net expande-se ao longo dos anos 1990 com a difusão da World Wide Web e sua explosão em popularidade. Nesse momento, mecanismos de pesquisa ainda não eram suficientemente eficazes, colocando nos próprios usuários a responsabilidade por compartilhar links que eles considerassem relevantes ou interessantes. De acordo com Olia Lialina, a web vernacular tinha como um de seus pilares o ato de compartilhar links:

“Há 10 anos [, em 1995,] a maioria dos websites possuíam uma seção de links externos, pois as pessoas sentiam que era sua responsabilidade pessoal configurar o ambiente e construir a infraestrutura [da web].

[…]

Em algumas páginas os links eram portais para informações adicionais, em outras para informação não relacionada. O modo como você buscava informação era demorado, mas recompensador. Ao seguir links você encontrava muito mais do que estava procurando.

A web vernacular era fascinada pelo poder dos links, às vezes correndo para extremos. Sites compostos de listas de links, longas páginas de links não classificados, webrings ou arquivos “bookmarks.html” salvos do navegador Netscape.”

Um dos modos mais notáveis de divulgar seu website e participar de uma comunidade on-line nos anos 1990 era a participação em um webring. Webrings consistem em uma coleção de sites ligados em uma estrutura circular, normalmente organizados em torno de um tema específico. A lógica do webring pode ser comparada a uma ciranda em que cada pessoa é um website membro e a navegação é unidirecional, como um objeto sendo passado de pessoa em pessoa na ciranda. Deste modo, só existem duas opções para o usuário: ir ao próximo site ou visitar o site anterior.

Diagrama de funcionamento de um webring que consiste de 7 círculos enumerados organizados em um ciclo, mostrando setas apontando sempre no sentido horário.
Diagrama demonstrativo da estrutura de links de um webring. Fonte: Webring History. Acesso em 12 de junho de 2023.
Uma série de exemplos de como o webring manifesta-se em um site participante deste: com uma barra de navegação contendo o título do Webring, navegação, link para o fórum do Webring e um link para juntar-se a ele.
Captura de tela demonstrando exemplos de barras de navegação de webrings. Fonte: Webring History. Acesso em 12 de junho de 2023.

Sites que participavam de um webring possuíam uma barra de navegação em comum contendo links para o próximo site e o site anterior. Ao selecionar repetidamente o próximo site, o usuário eventualmente chegaria no site em que entrou originalmente. Uma das vantagens do webring está na reunião de sites com tópicos similares de interesse, facilitando a navegação dentro de um tema específico. Em 1999, a jornalista do New York Times Tina Kelley escreve sobre o fenômeno em um artigo:

“Se usar um mecanismo de busca pode ser como beber água de uma mangueira, surfar a internet usando um webring é como tomar chá com um grupo de estranhos muito entusiasmados com seus hobbies favoritos, como colecionar insígnias do esquadrão de emergência australiano.”

Conforme os mecanismos de busca melhoravam no início dos anos 2000, a relevância de webrings e das listas de links em sites pessoais ia diminuindo. Com essa mudança, perdia-se um dos motivos para se criar uma página web pessoal, uma vez que era possível encontrar tudo que você quisesse no Google. Esse esvaziamento não só desmotivou a criação de sites amadores como os ‘enterrou’ por conta das novas convenções de otimização para mecanismos de busca, cujo ranking prejudicava as informações compartilhadas em sites amadores antigos.

Comunicação na Web 2.0 e o individualismo digital

Mesmo com o declínio das homepages, ainda existiam diversos modos de se comunicar na internet na transição para a Web 2.0. Salas de bate-papo e fóruns davam aos usuários espaços para comunicação, com a anonimidade tornando irrelevante a identidade real do usuário. Com o surgimento de redes sociais como o Facebook e o Orkut, no entanto, o usuário torna-se pessoa virtual e sua presença na web acaba por se resumir ao seu perfil, o conteúdo postado em suas redes sociais, e seu número de conexões.

A exploração do ego no âmbito virtual pode ser vista como uma possível técnica para atrair novos usuários, enquanto simultaneamente tiram-se liberdades digitais deles. A pessoa do ano de acordo com a revista Time era Você, seguindo o crescimento explosivo e a influência do conteúdo gerado por usuários na Internet através de blogs, vídeos no Youtube e perfis no MySpace. Essa ideia de indivíduo como protagonista da revolução digital, de acordo com Olia Lialina em seu texto de 2019 “From My To Me”, é alienante e tem, no subtexto do discurso intenções de controle e vigilância:

“Eu sou barato, Eu sou fácil de controlar, Eu sou fácil de manipular, Eu sou escravo do meu próprio reflexo, Eu sou uma escrava das plataformas que tornam meu reflexo brilhante. Eu sou dados. Eu sou dados, próximo dos metadados. Isso faz o Eu perfeito para satisfazer anunciantes e satisfazer redes neurais.”

Capa da revista Time mostrando em seu centro um PC, escrito You no centro da tela, e com um controle de vídeo semelhante ao do Youtube no período, aludindo à explosão em popularidade da plataforma no ano de 2006.
Capa da revista Time de Dezembro de 2006/Janeiro de 2007. Fonte: NBC News.

Somos amigos, seguidores ou influencers?

As conexões da Web 2.0, majoritariamente chamadas de ‘amigos’ no início dos anos 2000, passam por uma transformação ao longo da década e transformam-se em ‘seguidores’ na maior parte das redes sociais; por exemplo Instagram, Twitter e Tumblr. Este fenômeno ainda prevalece atualmente, fortalecendo mais ainda a ênfase no ego do usuário do que em sua conectividade com o mundo em geral.

Enquanto ainda existem recursos para interação social e formação de comunidades online atualmente, eles não são prioridade nas redes sociais. Elementos de engajamento como likes e comentários são as forças motrizes dos algoritmos de recomendação, dessa maneira a quantidade de engajamento sobrepõe-se à sua qualidade. Por conta disso, o surgimento de ‘echo chambers’ e bolhas algorítmicas é comum em redes sociais, facilitando a formação de grupos extremistas e a cooptação política de usuários.

Levando em consideração as transformações da sociedade online ao longo dos anos, pode-se observar uma clara toada individualista na sociedade digital. Questões tecnológicas e de design, proposital ou acidentalmente, podem ter influenciado a sociedade na internet. Por exemplo: a migração de fóruns, que comportavam discussões longas, para redes sociais com limites de 240 caracteres como o Twitter; a mudança de paradigma de ‘amigos’ para ‘seguidores’ e a ascensão da economia da atenção.

Enquanto o espírito netizen de Hauben ainda perambula no território da Web, ele não é incentivado nas grandes plataformas. Devemos refletir maneiras de projetar interfaces que explorem o potencial da cidadania online e lembrarmos-nos das primeiras motivações que inspiraram o nascimento da Web: o compartilhamento de ideias, interesses e informações.


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Carol

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