Uma gaiola ico-esférica metálica rotaciona-se em dois eixos, guardando dentro de si um ponto de interrogação preto, em fonte bitmap.

Justificativa

Atualizado em 18 de novembro de 2023 por Caroline Speridião

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Aqui serão discutidos alguns dos principais aspectos que motivam e justificam a temática deste projeto, primeiramente com uma defesa sobre a importância de se entender a história do design digital de modo semelhante a como aprendemos história do design gráfico e industrial.

Por que estudar a história do web design?

Estudar a cultura material da internet é um passo importante para provocar mudanças no design digital. Como designers, temos a responsabilidade de compreender as implicações culturais e sociais das interfaces que criamos. Ao estudar as transformações da cultura digital ao longo do tempo, podemos identificar os valores, estéticas e interações que compõem nossas experiências online. Essa compreensão pode nos ajudar a criar construções e padrões de uso digitais mais democráticos, éticos e menos padronizados esteticamente. Além disso, a história da cultura e do design da internet pode nos fornecer poderosos argumentos para questionar padrões de UX/UI dominantes atualmente, desafiando o status quo que se manifesta através das, muitas vezes limitantes, expectativas acerca do que define o bom design.

Motivações investigativas: por trás da nostalgia

Durante a pandemia, há uma ressurgência de interesse em como era usar a internet nos anos 1990. Revistas digitais de design como AIGA Eye on Design e It’s Nice That publicaram, entre 2019 e 2020, alguns artigos como: “ Early Web Design Helped a Generation Express Themselves Online. How Do We Capture That Feeling Again?” e “ Can the Weird Web make a comeback in 2020?”. Esses artigos analisam o espírito experimental da Web 1.0, um período em que era comum descobrir websites criativos feitos por internautas e descobertos através de webrings, links diretos e outras estruturas rudimentares, antes de mecanismos de busca como Google existirem. Quando tudo era ‘mato’, uma quantidade considerável de usuários construíam páginas web e as chamavam de ‘seu canto no ciberespaço’, como se fossem seus lares virtuais.

Com o passar do tempo e a transformação da internet durante os anos 2000, o que chamamos atualmente de Web 1.0 foi ‘substituída’ por uma nova versão, a denominada Web 2.0. Seu ‘nascimento’ é marcado em 2004 pelo primeiro Web 2.0 Summit, um evento em San Francisco, Califórnia organizado por Tim O’Reily e John Battelle que ocorreu anualmente até 2011. Enquanto a separação entre Web 1.0 e Web 2.0 é um tópico de discussão questionado por alguns historiadores e arquivistas digitais como Olia Lialina, utilizaremos essas denominações com o objetivo de facilitar a compreensão histórica da web.

De acordo com o site History-Computer, na Web 1.0 a tecnologia de informação era utilizada para que usuários publicassem ideias e interagissem com opiniões de outros internautas, normalmente usando chats e páginas estáticas para expressar tais ideias. Já a Web 2.0 se diferencia pois ela passa a incorporar conteúdo dinâmico, ou seja, gerado por usuários e publicado em blogs e posteriormente redes sociais, que foram gradualmente surgindo e crescendo até tornarem-se dominantes no cotidiano atual. De certa maneira, a Web 1.0 pode ser generalizada como read-only, ou seja, com páginas que só podem ser lidas, e a Web 2.0 é caracterizada por plataformas em que o usuário edita e acrescenta conteúdo em tempo real.

O idealismo acerca de uma renascença da ‘internet antiga’ não é algo exclusivo a publicações de design, estando presente em vários cantos da internet. Além do surgimento das plataformas revival inspiradas no MySpace e Geocities, SpaceHey e Neocities respectivamente, há inúmeras micro comunidades virtuais dedicadas à resistência à web mainstream através da criação e manutenção de páginas web pessoais. Um exemplo é a comunidade Yesterweb desativada em maio de 2023, que mantinha um canal no Discord com aproximadamente 2500 usuários. O site da comunidade ainda está online, e possui uma extensa lista de tópicos documentando a história, fundamentos e princípios da comunidade desde sua criação em fevereiro de 2021 até seu fechamento. No tópico “The Role of Nostalgia”, o site discorre sobre as percepções de seus membros acerca do idealismo que acompanha a nostalgia digital:

“O rápido aumento de popularidade de plataformas como Neocities e SpaceHey foi um forte indicador que a nostalgia era uma força significante impulsionando a migração para a web periferal nos últimos anos. A comunidade [Yesterweb] foi criada quando as restrições da pandemia começaram a relaxar.

A nostalgia costumava ser a primeira coisa que se destacava e atraía os novos membros: há conforto na nostalgia, especialmente em tempos particularmente difíceis.

[…]

Esse foco na nostalgia também levou a uma visão não crítica do que era a “web antiga”. Muitos usuários expressavam um desejo de retornar a uma “web antiga” que nunca existiu, muitas vezes com crenças de que a web antiga era inerentemente menos preconceituosa, menos consumista e menos restritiva. Enquanto isso é parcialmente verdadeiro dependendo de onde você olha, os usuários tornavam-se hiper-focados no retorno a um passado que nunca existiu em vez de perseguir um futuro que se encaixasse em seus valores.

[…]

A nostalgia pela web antiga não era limitada somente a pessoas que haviam experienciado a web antiga. Surpreendentemente, haviam muitas crianças e jovens adultos sentindo anemoia, ou nostalgia por um lugar ou tempo que nunca vivenciaram. É claro que isso era uma resposta à deterioração da ‘web normal’ em que esses jovens cresceram. O que não fica claro é se essa reação é um anseio pela web antiga e sua estética ou se isso reflete um desejo mais profundo por mudanças que é parcialmente refletido pelas aspectos positivos da web antiga.”

Outro lugar em que pessoas expressam seu desconforto e nostalgia com relação à internet é, ironicamente, em redes sociais. O site ou período alvo da nostalgia é variável, porém a ideia de uma internet antiga, mais humana e interessante, é pervasiva online. Em uma publicação do Reddit de outubro de 2022 sobre a desvalorização de ações da Meta, usuários comentaram suas opiniões sobre o que tornaram-se as redes sociais:

Comentário de usuário do reddit em 2022. Texto original: I miss the structure of myspace conceptually. Facebook is - everyone is shouting outloud and you have little control over what is shouted at you. myspace was literally a little space of the internet for you - and if you wanted someones content you had to GO to their page intentionally. such a more healthy design than the infinite scroll timeline of bullshit
Fonte: Reddit.

“Eu sinto falta da estrutura do MySpace conceitualmente. Facebook é – todo mundo gritando alto e você tem pouco controle sobre o que está sendo gritado em sua direção.

MySpace era literalmente um pequeno espaço da internet para você – e se você quisesse o conteúdo de outra pessoa você precisava IR para a página dela intencionalmente.

Um design mais saudável do que a linha do tempo com rolagem infinita de besteiras.”

Usuário do Reddit, 27 de outubro de 2022, tradução nossa
Comentário de usuário do reddit em 2022. Texto original: The internet back then was fundamentally different. today, the main source of revenue is selling your data, tracking and advertisement. Your user experience is irrelevant, you could put a monkey in front of your PC punching randomly on the keyboard and Meta would not mind one bit as long as it happens to click on pages. Social Media are designed specifically to keep your eyes glued to them: infinite scrolling, algorithmically giving you content you're likely to engage with, adds mixed with regular content, it all exists to steal your time. how much you enjoy that time really doesn't matter to their bottom line.
Fonte: Reddit.

“A internet antigamente era fundamentalmente diferente.

Hoje, a principal fonte de dinheiro é a venda de seus dados, rastreamento e publicidade. Sua experiência de usuário é irrelevante, você pode colocar um macaco na frente de seu PC socando teclas aleatoriamente e a Meta não se importa, contanto que páginas sejam clicadas.

Redes sociais são projetadas especificamente para manter seus olhos grudados nelas: rolagem infinita, algoritmicamente fornecendo-lhe conteúdo com o qual você possivelmente irá se engajar, anúncios misturados com conteúdo normal, tudo isso existe para roubar seu tempo. O quanto você aprecia esse tempo realmente não importa no final das contas.”

Usuário do Reddit, 27 de outubro de 2022, tradução nossa

Como é possível notar pelos comentários e grupos acima mencionados, existem pequenas células de resistência às redes sociais online, sejam elas grupos dedicados à causa ‘old web’ ou simplesmente indivíduos expressando suas indignações nas próprias redes sociais. A inspiração em uma internet antiga, apesar de potencialmente nostálgica, é uma provocação interessante para investigar os processos que nos levaram à web atual e, possivelmente, entender o que poderia ser feito para melhorá-la. Em 2014, Olia Lialina discute, sob o ponto de vista de uma usuária e artista do movimento net.art nos anos 1990, as implicações da Web 2.0 nas liberdades e expectativas sobre o usuário em seu texto Rich User Experience, UX and Desktopization of War:

“[Na Web 2.0] Não há necessidade de aprender HTML ou registrar um domínio, a Web 2.0 providenciou canais pré-fabricados para auto expressão e comunicação, hospedagem e compartilhamento. Não há mais necessidade de ser seu próprio arquiteto de informação ou designer de interface, procurando um modo de comunicar sua mensagem. Resumindo: não há necessidade de fazer uma página web.

O paradoxo para mim na época era que a “rich user experience” era um termo para uma realidade em que experiências de usuário estavam ficando piores. Você não precisava mais pensar na web ou em atividades específicas da web.

Além disso, a Web 2.0 foi a culminação de aproximadamente sete anos de negligência e negação da experiência de usuários da web onde a experiência era Erfahrung [experiência], ao invés de Erlebnis [vivência]. Layouts, gráficos, scripts, ferramentas e soluções feitas por usuários leigos não eram reconhecidos nem como patrimônio nem como elementos valiosos ou estruturas para produções web profissionais.”

É importante frisar a importância da subjetividade da experiência em rede. Lialina, como alguém que esteve presente durante a primeira onda de popularização da Web, critica a Web 2.0 por retirar do usuário certos papéis e possibilidades. Por outro lado, usuários que surgiram mais tardiamente lembram-se carinhosamente do início do período Web 2.0, marcado pelas experiências no MySpace e Orkut.

Desse modo, entendendo as subjetividades da experiência humana no mundo conectado, esse trabalho se propõe a investigar a história do web design para além da nostalgia, entendendo quais escolhas de design foram feitas para esvaziar liberdades de usuário ao longo desse período, além de analisar como usuários e designers se expressam e constroem seus espaços online ao longo do tempo.


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Carol

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